O
início dos anos 80 ficou marcado na crônica policial pela presença real
do crime incorporada em quatro personagens que em pouco tempo se
tornaram o principal motivo de medo para a pacata população de Natal.
Até então, só se tinha ouvido falar no bandido “Baracho”, conhecido como
matador de taxistas, e o caseiro “Vilarim”, autor da chacina de Capim
Macio. No entanto, a cidade ainda não conhecia de fato o que muitos
chamaram na época de “os malassombros da sexta-feira”.
Saídos
do bairro Cidade da Esperança os jovens conhecidos como Paulo Queixada,
Edilson Gavião, Valdetário e João Maria, o “Coquinho” realizaram um
pacto e deram início a uma série de roubos e assassinatos que logo
vieram à tona e lotaram as páginas dos principais jornais da época com
sangue e histórias cruéis. Agiam apenas nas madrugadas das sextas-feiras
e sábados e tinham como alvo qualquer pessoa que se deparasse com eles
nas ruas escuras da cidade.
De
todo o bando um se destacava pela frieza e naturalidade com que tratava
a morte, Paulo Nicácio da Silva, o “Paulo Queixada”. Existem relatos
que dão conta que o jovem poliglota e apreciador de revistas em
quadrinhos, tinha prazer em matar. De posse de uma afiada faca peixeira,
ele não poupava nem mendigos que dormiam nas fechadas das poucas lojas
do centro comercial de Natal, sempre depois que furava o peito e o
pescoço de suas vítimas Paulo se ajoelhava e olhando para o corpo ainda
se debatendo, fazia o sinal da cruz e sorria.
Mas
o bando passou a ser unanimemente conhecido em uma madrugada de sábado
de 1983. O plano de Paulo Queixada, Edilson Gavião e Coquinho era forjar
um roubo e no meio da ação executar Valdetário, que passou a ser motivo
de preocupação para a quadrilha devido as suas atitudes autoritárias
com os demais. Mas o plano não deu certo, muito pelo contrário, foi na
verdade o princípio do fim da liberdade dos quatro.
Estava
indo tudo certo, o bando encontrou suas vítimas, um médico e uma
enfermeira que saiam de um plantão e trafegavam em uma estrada no campus
universitário, foi anunciado o assalto, mas em um determinado momento,
por uma razão ainda desconhecida, Valdetário chamou pelo nome de Paulo, o
que era extremamente proibido durante uma ação criminosa.
O
médico ouviu e ofereceu dinheiro para não ser morto. Imediatamente,
Paulo Queixada armado com um revólver disparou três vezes contra o Dr.
Chiquinho, como era conhecida a vítima. Em seguida, Edilson e Valdetário
estupraram e mataram a enfermeira que se chamava Silvana.
Na
manhã seguinte, por causa da repercussão, todos os envolvidos estavam
presos e em poucos meses condenados a viver a maior parte da vida na
Colônia Penal Dr. João Chaves e por muito tempo estabeleceram lá uma
nova ordem do cárcere. O presídio agora tinha rei e se chamava Paulo
Queixada. O poder do bando dentro da João Chaves perdeu força, mas Paulo
continuou com sua fome de matar. Durante o tempo que ficou dentro do
famigerado “Caldeirão do Diabo”, ele matou 13 pessoas antes de ser
esquartejado por um companheiro de cela. Valdetário e Edilson Gavião
acabaram assassinados por desafetos também na prisão. Com isso, só
permaneceu vivo para contar o que viu, João Maria da Silva, o
“Coquinho”.
Foi
na sala do diretor do Presídio Estadual de Parnamirim, o PEP, onde
cumpre uma pena de 105 anos, que João relatou toda essa história de
violência vivida por ele e seus comparsas. Falou com detalhes as
experiências com o crime e confessou dois assassinatos, além de dezenas
de roubos que ele mesmo disse ter perdido as contas. O homem de 49 anos
que conheceu a prisão aos 18, o único que Paulo defendia do bando e por
esse motivo permitia que João testemunhasse o que poucos tiveram a
chance.
Coquinho, hoje com 49 anos, espera liberdade.
Portal BO –João, o que era o Caldeirão do Diabo?
João Maria – Era
um inferno, vivia ali somente quem tinha mesmo estômago e nervos.
Convivi com a morte lado a lado e com cenas que até hoje me perturbam e
tiram meu sono.
Portal BO – Que cenas tão fortes foram essas que ainda te incomodam até hoje?
João Maria – (Risos)
Foram muitas, tantas que não sei nem por onde começar, mas quando um
preso se tornava inimigo de todos por causa de uma traição ele era
decapitado e cabeça servia de bola de futebol, um pavilhão inteiro
chutava a cabeça do traidor por horas. Eu também participava.
Portal BO – Como era a sua relação com Paulo Queixada?
João Maria – Nunca
tive problemas com Paulo, ele sempre me respeitou e eu também o
respeitei. Vi com meus próprios olhos os 13 assassinatos cometidos por
ele na cadeia e testemunhei várias vezes ele encher um copo americano do
sangue da vítima e beber, isso aconteceu várias vezes. Paulo tinha um
pacto com o diabo, enquanto outros presos liam a turma da Mônica em
revistinhas em quadrinhos ele lia “Brasinha”, em que o personagem era um
capetinha.
Portal BO – Você lembra do dia da morte de Paulo?
João Maria – Foi
um dia diferente de todos que passei naquele lugar, eu já tinha visto
de tudo, mas nunca tinha passado pela experiência de algo sobrenatural.
Paulo já estava morto dentro de uma cela quando eu o vi passar por mim,
me oferecer um cigarro e sair pela porta da frente sem que ninguém o
impedisse. Nunca me esqueço daquela cena, Paulo estava pálido, me olhou
do portão e foi embora, minutos depois, um carcereiro me levou a cela
onde ele estava esquartejado, foi a imagem mais terrível que vi.
Portal BO – Depois de tudo que aconteceu em sua vida, quem é João Maria da Silva hoje?
João Maria – Um
homem que á pagou pelos erros e merece a liberdade, um homem que
assumiu tudo, foi condenado e respondeu, mas que agora quer a chance de
viver como uma pessoa comum. Tenho uma filha que conheci na cadeia
depois de 30 anos e acredito que a justiça depois desse tempo todo deve
repensar meu caso e me deixar viver livre, afinal, já cumpri 30 anos.
Matéria do Portal do BO
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